Plano de Aula

ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA QUE SEDUZ E ENGANA O TELESPECTADOR

Ilha das Flores | Documentário | De Jorge Furtado | 1989 | 13 min | RS
15/05/2007
Ensino Médio, Ensino Fundamental - Anos Iniciais, Ensino Fundamental - Anos Finais, Educação de Jovens e Adultos, Ensino Superior
História, Filosofia, Sociologia, Biologia, Língua Portuguesa, Geografia
Salete Soares
Acesse a ficha do filme



O premiado curta-metragem Ilha das Flores, produzido há 17 anos, não deixa ninguém indiferente à sua projeção e costuma provocar fortes reações, mesmo em quem já o assistiu anteriormente. Já foi amplamente discutido e utilizado em sala de aula e
presta-se a um ótimo trabalho interdisciplinar, dada a possibilidade de ser abordado por várias áreas do conhecimento: geografia, história, ética, economia, sociologia, meio-ambiente, biologia, filosofia, matemática, etc.
A força desse documentário, além, evidentemente, do tema humano e social, reside numa estratégia argumentativa que seduz e engana o telespectador, que não consegue perceber o tema verdadeiro do filme, só revelado por Furtado nos instantes finais, depois de vertiginosa sucessão de imagens.
Narrado numa linguagem de documentário, o filme pretende um tom de neutralidade. É exatamente esse tom asséptico e pretensamente didático que é responsável por desencadear a carga emotiva do filme, já que entra em contradição com as imagens, gerando uma constante quebra de expectativa.
A sugestão de aplicabilidade agora desenvolvida pretende ilustrar possibilidades outras além das tradicionais que o filme suscita e abrange áreas da linguagem e leitura de texto verbal e visual.


Promover reflexão sobre os seguintes temas de Língua Portuguesa:


➢ Linguagens verbal e visual


➢ Figura de linguagem: ironia


➢ Intertextualidade: paródia, paráfrase.


➢ Gêneros textuais: documentário, sinopse, resenha.


➢ Assunto e tema


➢ Argumentação: recursos argumentativos e seus efeitos.



 Trabalhar gêneros textuais: Seria interessante discutir, antes do dia do projeção do curta, o que seria um documentário.



Verbete: DOCUMENTÁRIO


DICIONÁRIO AURÉLIO


(...)


4. Cin. Filme, em geral de curta-metragem, que registra, interpreta e comenta um fato, um ambiente, ou determinada situação.


-


DICIONÁRIO HOUAISS


(...)


2 Rubrica: cinema, televisão.
filme informativo e/ou didático feito sobre pessoas (ger. de conhecimento público), animais, acontecimentos (históricos, políticos, culturais etc.) ou ainda sobre objetos, emoções, pensamentos, culturas diversas etc.


-


WIKIPÉDIA (http://pt.wikipedia.org/wiki/Documentário)


Documentário é um gênero cinematográfico que se caracteriza pelo compromisso com a exploração da realidade. Mas dessa afirmativa não se deve deduzir que ele represente a realidade tal como ela é. O documentário, assim como a ficção, é uma representação parcial e subjetiva da realidade. Atualmente, há uma série de estudos cujos esforços se dirigem no sentido de mostar que há uma indefinição de fronteiras entre documentário e ficção.


-


Após a projeção, discute-se se Ilha das Flores é um documentário e qual a especificidade desse gênero.



De acordo com o próprio diretor, Jorge Furtado, Ilha das Flores é uma paródia ao documentário do modo expositivo de representação com o objetivo de criar uma empatia, através do humor, para melhor provocá-lo na seqüência final. - "Para convencer o público a participar de uma viagem por dentro de uma realidade horrível, eu precisava enganá-lo. Primeiro, tinha que seduzi-lo e depois dar a porrada."


(FURTADO, Jorge. Um astronauta no Chipre. Porto Alegre: Artes Ofícios, 1992, p. 63).




 Outra possibilidade, esta não é específica deste filme é traçar a diferença entre sinopse e resenha crítica.



Sinopse (ou Resenha-resumo): É um texto que se limita a resumir o conteúdo de um livro, de um capítulo, de um filme, de uma peça de teatro ou de um espetáculo, sem qualquer crítica ou julgamento de valor. Trata-se de um texto informativo, pois o objetivo principal é informar o leitor.



Resenha-crítica: É um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre ele, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos. Trata-se, portanto, de um texto de informação e de opinião.


Adaptado de http://www.pucrs.br/gpt/resenha.php



 É interessante também estabelecer a diferença entre assunto e tema, pois o assunto é um só, mas que gera diferentes temas. Pode-se propor, depois, que os alunos elaborem uma resenha do vídeo.



TEMA provém do latim "thema", tema, proposição, argumento, matéria, tese. E este provém do grego "théma", proposição, isto é, aquilo que se propõe. O tema significa, pois, a idéia central duma obra literária, como, por exemplo, o amor, a saudade, etc. (o tema, em geral, é abstrato). No caso do Ilha, há vários temas: a fome, exclusão social, a liberdade, etc


ASSUNTO provém do latim "assumptu(m)", particípio passado do verbo "assumere", tomar, receber para si juntar, aplicar praticar. É a seqüência de acontecimentos. Poderíamos dizer que o assunto de Ilha das Flores é o percurso de um tomate em diferentes fases de sua vida.


Adaptado de http://ciberduvidas.sapo.pt



 Antes de iniciar a projeção, seria interessante estimular a curiosidade dos alunos, propondo algo como:



* O que há em comum entre tomates, porcos e seres humanos?



De acordo com Renata do Amaral, uma sinopse feita pela própria equipe do filme diz que: "Um tomate é plantado, colhido, transportado e vendido num supermercado, mas apodrece e acaba no lixo. Acaba? Não. "Ilha das flores" segue-o até seu verdadeiro final, entre animais, lixo, mulheres e crianças. E então fica clara a diferença que existe entre tomates, porcos e seres humanos."


AMARAL, Renata. A polifonia no curta-metragem Ilha das flores.






Ao final, buscar as diferenças e semelhanças entre tomates, porcos e seres humanos, resgatar as respostas iniciais e confrontando-as.




 Algumas perguntas com relação ao objetivo do filme:


* Qual o propósito do diretor ao avisar, antes do início da história:



 Este filme não é ficção

 Esta não é a sua vida

 Deus não existe


Solicitar, também, que sejam identificados os questionamentos que estão por trás da trajetória do tomate, do momento em que é plantado até chegar ao lixo.



 Com relação ao narrador: pedir aos alunos que identifiquem quem é o narrador (ou de que lugar ele fala), uma vez que há passagens em que se diz:


 Os seres humanos são animais mamíferos, bípedes, e se distinguem dos outros mamíferos como a baleia ou bípedes como a galinha, principalmente por duas características: o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor."

 "realizam melhoramentos no seu planeta como plantar tomates. "



Além disso, questionar a "precisão científica" de alguns dados tais como a exata localização geográfica com a inclusão de latitude e longitude, por exemplo. Estaria o diretor fazendo uma sátira ao cientificismo? Esta pergunta irá relacionar-se aos efeitos que isso cria em termos de argumentação.




 Com relação às linguagens verbal e visual, chamar a atenção para a contradição que existe entre a linguagem verbal, a narração, a voz "oficial" e a linguagem visual, imagética e sonora, relação permeada pela ironia. Exemplos:



 A voz diz que ter um telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor permite realizar melhoramentos no planeta como plantar tomates, enquanto a imagem mostrada é da explosão da bomba atômica.


 "Água é uma substância inodora, insípida e incolor formada por 2 átomos de hidrogênio e 1 átomo de oxigênio" e a imagem na tela é de um rio sujo, com águas turvas, que pressupõe cheiro e gosto bastante desagradáveis.


 "os judeus possuem telencéfalo altamente desenvolvido e dedo polegar opositor. São, portanto, seres humanos". O que se vêem são homens magros, maltratados, cercados de arame farpado e corpos empilhados, lembrando os campos de concentração nazistas.




 Quanto à argumentação



O documentário é um texto argumentativo que pretende levar seu receptor a uma determinada conclusão.




TEXTO ARGUMENTATIVO é o texto em que defendemos uma idéia, opinião ou ponto de vista, uma tese, procurando (por todos os meios) fazer com que nosso ouvinte/leitor aceite-a, creia nela.


Num texto argumentativo, distinguem-se três componentes: a tese, os argumentos e as estratégias argumentativas.


TESE, ou proposição, é a idéia que defendemos, necessariamente polêmica, pois a argumentação implica divergência de opinião.


A palavra ARGUMENTO tem uma origem curiosa: vem do latim ARGUMENTUM, que tem o tema ARGU , cujo sentido primeiro é "fazer brilhar", "iluminar", a mesma raiz de "argênteo", "argúcia", "arguto".


As ESTRATÉGIAS não se confundem com os ARGUMENTOS. Esses, como se disse, respondem à pergunta por quê (o autor defende uma tese tal PORQUE ... - e aí vêm os argumentos).


ESTRATÉGIAS argumentativas são todos os recursos (verbais e não-verbais) utilizados para envolver o leitor/ouvinte, para impressioná-lo, para convencê-lo melhor, para persuadi-lo mais facilmente, para gerar credibilidade, etc.


Adaptado de http://www.pucrs.br/gpt/argumentativo.php,



Seria interessante levar os alunos a identificar qual seria a tese, os argumentos e as estratégias desenvolvidas em Ilha.



Existem vários tipos de argumentos, dentre eles, o argumento


 de autoridade

 baseado em consenso

 baseado em provas concretas

 baseado no raciocínio lógico




É interessante notar que há um discurso pretensamente científico, que se caracterizaria como argumento de "autoridade" a cada novo elemento do filme, o narrador emite um conceito que, embora correto, apresenta uma visão inusitada, estranha, diferente do tradicional. Por exemplo:



 Um dia é o intervalo de tempo que o planeta Terra leva para girar completamente sob o seu próprio eixo

 Terreno é uma porção de terra que tem um dono e uma cerca

 De origem orgânica é tudo aquilo que um dia esteve vivo na forma animal e vegetal

 Uma prova de história é um teste da capacidade de um telencéfalo de um ser humano de recordar dados referentes ao estudo da História.



Entre as estratégias argumentativas usadas com a finalidade de convencer, temos a argumentação pelo absurdo, que se revela na contradição entre texto narrado e imagem, pela ironia desvendada nessa relação.



Assim, ao final do percurso narrativo-argumentativo, Jorge Furtado conclui sua história: "O que coloca os (os seres humanos) abaixo dos porcos é o fato de não terem dinheiro nem dono." E encerra acrescentando um dado à definição de ser humano: "o ser humano se diferencia dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por ser livre.



Recorrendo à definição do dicionário: Livre é o estado daquele que tem liberdade. Para completar com Cecília Meirelles: Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda". Na tela, o que vemos é a miséria e sofrimento de seres humanos, que vivem em condições piores que porcos.


Referências e links:




AMARAL, Renata. A polifonia no curta-metragem Ilha das flores. Disponível em http:// http://users.hotlink.com.br/reamaral/documentarios/polifonia.html Acesso em 3/11/2005



BARROS, Gabriela Torres. A ilha da paráfrase. Disponível em http://users.hotlink.com.br/reamaral/documentarios/parafrase.html. Acesso em 18/07/2005.



FURTADO, Jorge. Um astronauta no Chipre. Porto Alegre: Artes Ofícios, 1992.



http://www.casacinepoa.com.br/port/filmes/ilhadasf.htm


http://www.planetaeducacao.com.br/cinema/ilha_das_flores.asp


http://www.casacinepoa.com.br/port/filmes/ilhadasf.htm


http://www.cinemando.com.br/200211/entrevistas/resenhas/ilhadasflores.htm



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Relatos de Professores (197)